Acordando

Daqueles momento em que acordar é a pior idéia. Ah! Um sonho tão bom, e
você, lutando contra o despertar, se agarra aos fiapos de cor e matéria
que ainda sobrevivem em sua retina onírica. Você sente que seu corpo
envia sinais claros ao seu cérebro, que processa tato, audição e uma
invasão de luz que atravessa as pálpebras. Num suspiro, espasmo de
decisão, você desiste. E se encolhe, amassado entre as dobras dos
grossos panos que o afagam contra o frio. Mais um dia que começa de
fato, do seu ponto de vista. Um punhado de pessoas morrerá hoje, outro
tanto nascerá. Avisos de casamento, notas vermelhas, litígios de
divórcio, vendedores de rede, vernissages. Várias coisas acontecendo, e
você insistindo em hibernar o sono dos preguiçosos. Você esfrega o
rosto com as costas das mãos, em semicírculos agressivos, se senta na
cama e olha ao redor toda a familiariedade dos objetos cotidianos
sedentos de utilidade e uso. Você se permite mais uns minutos de
preguiça, para tentar lembrar do sonho. Como sempre, você não lembra
onde estava. Ruínas. Colunas romanas, grama, azulejos. Roma? Atenas?
Pompéia? Você estava feliz, vibrante e saudável, e parecia saber bem
onde chegar. "Onde" esse que você não faz idéia de onde é. E
provavelmente não vai saber, já que o momento de maior euforia onírica
foi conjuntamente o momento que seu corpo resolveu trazer você de volta
ao círculo da matéria. Será que, perdido nos labirintos da velha
pompéia, entre afrescos e corpos mumificados, o olhar da medusa
congelou seu sonho de disposição e vigor matutino? Vá saber. Você joga
alguns objetos dentro da bolsa, ao mesmo tempo que veste o velho jeans.
Lhe esperam uma maçã e um sanduíche de tofu defumado. Combustível para
um novo dia. Você, teimosamente, irritante e teimosamente, se pergunta
se não prefere voltar pra cama, enquanto desce do elevador e se deixa
absorver pelos ruídos da cidade sempre viva e desperta. O sol sobre seu
bairro litorâneo enche as faces da rotineira esperança de um dia claro
e em paz. O contorno das montanhas do Rio desenha linhas curvas e
gracisosas na janela do ônibus, e você esquece o que sonhou, perde a
divagação naquelas linhas, querendo apenas sobrevoar sobre elas, um
dia, acordado e feliz.

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