"Tempestade em copo d'água", foi a expressão que ouvi quando reclamei de uma colega ter levado para casa um casaco meu sem me pedir. Será? Na minha educação suburbana, aprendi que pegar emprestado sem pedir tem outro nome, com sérias conseqüências para o autor da ação. Sim, eu fiquei muito chateado ao dar falta, pois é um casaco de uso diário - seja verão ou inverno - durante meu horário de trabalho. O ar-condicionado é cruel, e eu o deixo lá, para não correr o risco de esquecê-lo em casa e - ironia - ficar sem ele. Minha queixa foi menos pela falta do casaco, que apesar de tornar um pouco mais árduo o trabalho meu de cada dia, não é algo absolutamente necessário. Fiquei chateado mesmo por não ter sido consultado, nem ter recebido a mínima satisfação 2 dias depois. Eu que telefonei e perguntei. Ahn, sim, ela havia levado. E achava que não era nada demais. Levou para lavar. Mas... peraí? Estava sujo? Não seria o caso de então... não usá-lo? E que lógica torta chega à conclusão que vale a pena me deixar uma semana com frio e depois me devolver um casaco que eu nem julgava sujo?
Hoje é Yom Kippur, o Dia do Perdão dos Judeus. Não chego nesse mérito, o casaco não é tão importante para uma discussão sobre perdão. Mas, e o respeito? Também deve ser deixado de lado? Eu, confesso, me senti humilhado por ter que telefonar para perguntar. E por ter que telefonar novamente, 3 dias depois, para perguntar um "e aí? quando você vai devolver?". Me senti humilhado pelo desdém, que me fez sentir vergonha de só ter aquele casaco para usar no trabalho. Mas, peraí? Não tem um bizarra inversão de valores aí? Eu sou alguém terrível por ter ficado enraivecido? Diminui-me o fato de eu não ter um armário de casacos? O conceito de 'pegar emprestado sem avisar' deixou de ser algo reprovável? Eu resisti todo o tempo de usar o verbo que define o ato, mas tenho que usá-lo: roubaram o bom-senso do mundo.
Ontem, fiquei sabendo que o Nestor, um esperto cão d'água português que mora no Leblon, possivelmente foi envenenado. Sobreviveu, lépido, mas a explicação do envenenamento foi a dada para a estranha forma na qual ele adoeceu e pela qual passou 10 dias internado. Fiquei com coração apertado. Ele volta pra casa, e aí? E o autor do crime? Será que vai tentar de novo? Latidos são pertubações que motive um crime tão cruel? E os donos da casa, será que terão de montar guarda na área de serviço para proteger seu amigo peludo? Perguntas que me entristecem e me fazem pensar que a tolerância também foi roubada.
Também ontem, li que uma pessoa que muito admiro, a Rosana Hermann, foi agredida (clique para ler) na rua, sem razão, sem qualquer explicação, e ficou ferida. Seu relato de ontem impressiona e traz a sensação que a civilidade também nos foi surrupiada. Hoje ela já postou sobre o perdão (também em razão da comemoração religiosa). Eu concordo, perdoar liberta. Mas será que perdoar significa deixar pra lá? Fingir que não aconteceu? Acredito que devamos diferenciar perdoar e esquecer claramente. Para mim existe um abismo entre as duas coisas. O que me ajuda a dar como"página virada" é, além de não mais nutrir sentimentos de revolta e vingança, é dizer o que sinto, o que penso, e mudar alguma coisa.
No meu caso, o casaco passará a ser levado - se for devolvido - para casa, sempre. No caso do Nestor, torço para que o condomínio não seja negligente. E acredito que a Rosana deveria sim fazer o B.O. Se a agressora repetir o crime amanhã, pode ser reconhecida e se encrencar de verde e amarelo. E pluft, pelo menos algo que faz sentido aconteceu.
2 comentários:
Perdoar não significa desculpar.
São coisas absolutamentes distintas.
O perdão traz alívio ao coração, nos deixa seguir em frente, leves e tranqüilos. Creio que serve mais para quem perdoa do que para quem é perdoado...
Desculpar é outro papo. É, como a palavra claramente indica, retirar a culpa do sujeito.
E, cá entre nós, isso não melhora, não acrescenta nada a nenhuma das partes.
Luiz, eu amo você muito!!
Beijos com sorvete!!
Que bom que eu leio o seu blog, porque eu não sabia dessa história do Nestor. Que coisa absurda!
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